12 janeiro 2006

Do baú

E direitinho de um disco rígido "com teias de aranha", um artigo publicado na Revista de Engenharia, há muitos anos (nem me lembro mto bem em que ano!)

Mulheres. Muito se tem dito e escrito sobre nós, seja para bradar pela igualdade de direitos, pelas tão faladas quotas partidárias, pelo incentivo à maternidade, enfim, um sem número de situações. Curiosamente, ou talvez não, quase sempre são os homens a opinar sobre estes assuntos “de mulheres”. E o que dizer quando o tema é “Mulheres em Engenharia”? Ouso afirmar que este título poderia ser escrito também como “Mulheres à beira de um ataque de nervos”. Exagero? Percorram comigo um pouco do percurso de uma Engenheira e tirem as conclusões que vos pareçam mais adequadas.

1º Ano. Caloira. Praxe.

É o auge do ego feminino. Onde mais senão em Engenharia poderia o simples facto de entrarem mais do que duas mulheres ao mesmo tempo no bar causar tamanha admiração?
São os dias “do massacre”, em maior ou menor escala. São também os dias em que aprendemos a cantar as famosas canções da praxe, que, quando foram criadas, não tiveram obviamente como objectivo serem cantadas por vozes femininas – sem entrar em pormenores de linguagem explícita, lembro as diversas partes anatómicas das quais orgulhosamente gabamos o tamanho e performance, mas que... não temos!
Já aqui se começam a manifestar as contradições de uma Engenheira.

2º ... 3º ... 4º...

A praxe passou (que me perdoem os mais puristas) e ficaram as aulas, a sala de convívio, os corredores, enfim, um companheirismo que só longas horas “de quatro” lado a lado e um sem número de acidentes de percurso, vulgo exames, podem conseguir. As contradições crescem: sem deixarmos de ser as meninas de Engenharia – ai de quem ousar ofender uma das “meninas deles”, somos também tratadas como mais um dos colegas – quantas vezes somos incluídas em debates acalorados sobre todos os assuntos tradicionalmente masculinos: mulheres, namoradas, conhecidas... E não falo aqui das confidências, essas fazem parte de qualquer amizade, seja qual for o sexo das pessoas envolvidas. São mesmo as “bocas” trocadas entre homens e que nós, por força da convivência estreita e (ouso dizê-lo) de igual para igual, ouvimos e comentamos da mesma forma que todos os outros intervenientes.

5º Ano, saída à vista

Agora é o tempo de fazer planos, de começar a pensar na vida real que nos aguarda lá fora. Qual será o nosso papel como Engenheiras? As contradições reveladas nos anos anteriores misturadas com as ansiedades normais de quem enfrenta uma nova vida fazem deste o ano de todas as definições. É agora que a verdadeira personalidade da mulher Engenheira assume os contornos finais, com que vai enfrentar esse mundo ainda tão masculinizado do exercício de Engenharia.

Mas estas são outras histórias. Quanto à “nossa” mulher em Engenharia, o seu percurso terminou. O que ficou foi uma impressionante colecção de experiências que em mais sítio nenhum poderia ter vivido. Sem prejuízo para ninguém e tentando não fazer juízos de valor, fica também a certeza de ser uma mulher diferente.

Esta mulher não sou eu, nem qualquer mulher de engenharia em particular. Esta é uma mulher hipotética, feita de experiências várias. Mas qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.
E se ao lerem este artigo pensarem que de algum modo a minha opinião pessoal é um pouco ácida, posso dizer-lhes que não. Pessoalmente sinto-me muito orgulhosa de pertencer a esta casa e extremamente grata por ter tido a oportunidade de me tornar uma mulher diferente, talvez menos suave e feminina, muitas vezes à beira do tal ataque de nervos também, mas sem dúvida enriquecida pelas experiências que os anos passados nesta Faculdade me proporcionaram.
Termino com um cliché, e perdoem-me os eruditos: as mulheres de Engenharia são poucas, mas... são muito Mulheres!

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